domingo, dezembro 17, 2006

ópio

esperava a brasa atingir por inteiro o cigarro, não queria aquela deformidade inadequada de quando não prestava a devida atenção aos fósforos. esperava levemente irritado, que era a forma que ultimamente esperava todas as coisas. cortando fárois vermelhos, perdendo amigos, comendo cru. finalmente queimava por igual e então ele se dedicava distraidamente a tragar todos os cinco minutos que tinha à mão. quando já não podia fumar sentia-se vazio, como poderia então acompanhar aquela noite linda, com tal música lúdica? sentia-se vazio, e dividia-se: abrir um vinho, acender outro cigarro, bater uma punheta. de fato não poderia ficar inerte ante a manifestação da qual era mero sujeito. até porque desaprendera a ser, como simples fato consumado. deitava na cama com o mesmo não sorriso dos últimos tempos (via sua própria face por outros olhos nessas horas - a cara séria, pálida, quieta), se o vissem poderiam até acreditar que era um dos tais homens honestos, porém, ele o sabia, qualquer charme extraído de sua feição era pura hipocrisia - aquilo tudo não passava de amargura. em cima do criado mudo repousava um salinger. era um pouco como se sentia. como um personagem de salinger. toneladas de melancolia mascarando um mar de situações mal resolvidas. ao menos isso admitia.
deitou e então quis fugir. pensou em morrer por poucos segundos. perdera o amor, perdera o sentido. como sempre nas horas do desespero tentou hipoteticamente achar um lugar em que poderia estar em paz. e como em todas as vezes, não encontrou. sempre soluções patéticas e temporárias. intermitentes euforias.
sentou-se perto da janela e acendeu outro cigarro. a paz de cinco minutos de um cigarro bem fumado. esse era o seu paraíso. o único que sua fé fraca conseguia alcançar. o vento bateu na sua cara, trouxe a fumaça pra dentro do quarto. e a única coisa que ele quis foi miseravelmente acreditar em deus. qualquer um que fosse.

Um comentário:

Anônimo disse...

olho pra você e vejo que eu sou pequena.