quinta-feira, abril 12, 2007

amnésia, hein

naquela época eu não pensava muito, acho até que vivia mais. também não lembro de como tudo se passou, as formas do pensamento, as sombras...
a verdade é que ninguém pode confiar na memória, mas é possível que tenha sido mais ou menos assim:
o sol batia no conjunto de prédios do outro lado da rua, era um conjunto grande, cinza, quadrado, me lembrava às vezes 1984. e o sol (ou melhor, o reflexo dele no prédio) era sempre alaranjado. talvez porque eu sempre chegasse um pouco antes do entardecer, ou talvez porque os caprichos do tempo preferiram assim.
era um tempo em que se bebia demais, todos os dias. íamos quando podíamos, assim como os outros, e não saíamos nunca mais. não que fosse nossa culpa, não era, definitivamente. eram os músculos que se amoleciam nas cadeiras, os amigos que puxavam com suas mãos ocultas por mais alguns intantes da sua presença (que sempre duravam horas), até os garçons que nunca paravam de trazer cerveja eram mais culpados do que nós.
uma hora ou outra o nosso contínuo esforço de ir embora perseverava sob o ímpeto daqueles Outros, que queriam fazer do nosso fígado patê pra passar no pão. íamos embora então, às vezes cabisbaixos, mas na maioria das vezes esquecidos de qualquer coisa (que talvez até hoje não lembramos).
o gosto amargo, concentrado, da cerveja ficava nos cantos da língua, tinha o rosto suado, os cabelos despenteados, mas a certeza de que a vida era linda. andava tonta pelas ruas, preferindo sentar por poucos minutos nas sarjetas do que pensar em voltar pra casa.
Pois bem, voltei pra casa, e aqui fiquei... já passaram os dias que eu me esquecia pelos cantos. agora são os dias que a gente se lembra de si (isso são o que Eles dizem). todos os dias escrevendo o nome em todos os lugares, assinando os papéis da burocracia, condensando números ao lado do seu rosto. sim, Eles nos lembram de quem somos todos os dias. eram aqueles os dias em que a gente se esquecia. pois sim, pois sim.

Um comentário:

aninha disse...

mas que mentira!!