quarta-feira, junho 25, 2008

pineu

ela acordava todos os dias às 5 e 40.
achava justo ver o sol,
já que todos os dias ele voltava a nascer.
ela acordava e vestia sua pele que deixara secando na noite passada,
punha os olhos cuidadosamente,
os cabelos,
os dentes,
tudo menos os buracos,
uma vez que durmira com eles.
então ela lembrava do mundo,
(e isso era o sol quem o fazia),
e ela lembrava de vestir as saudades,
com cuidado para as alegrias e as lágrimas não se misturarem,
vestia os ódios, cuidadosamente separados das ideologias,
punha o ócio e a vaidade,
a gula, o êxtase absoluto, e também aquela velha sensação cheia de mofo,
o nada.
o mundo continuava então a nascer,
os orvalhos invariavelmente evaporavam,
os passos continuavam,
e os sons eram pressentidos.
para ela, isso pouco importava,
fazia tanto tempo que tudo isso acontecia,
que já nem era mais tempo,
era retorno,
em espiral o infinito.
entretanto, um dia, desatenta,
ela vislumbrara o tempo,
pois ao vestir sua desusada sensação de nada
notara que o mofo quase a havia destruido por completo.
e, apesar dela nunca lançar mão de tal sensação,
isso a preucupara, e a aflingira.
e assim foi, pelos próximos meses,
logo antes do sol nascer, ela aproximava-se do nada,
e lá estava, um pouco mais daquela rara penugem
meio esverdeada.
então um dia,
não se sabe exatamente se se passaram anos, meses, ou vidas,
a sensação de nada desaparecera,
não transformara-se em pó,
mas transformara-se em nada.
e ela, que vivia bem ali,
pois acreditava na imersão do tempo,
de que tudo era o mesmo ontem,
e de que de tanto tudo, ela não precisaria de mais nada,
caiu por terra de joelhos.
sentiu então gotas de saudades descerem-lhe pelo pescoço
(e também lembrou de recolhe-lhas, para as vestir no dia seguinte),
lembrou através da memória,
e sentiu raiva e vaidade,
por ter o seu nada perdido,
e riu de êxtase absoluto,
pois perdida em desespero.
e quando desvestida,
em pleno dia,
de todos os seus caprichos, peles, e meios dias,
inflou-se de uma antiga sensação,
que se chamava vazio real que é viver,
e então ela a apelidou de nada,
esqueceu-se,
e viva, adormeceu,
infinitamente.

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