terça-feira, outubro 21, 2008

polução

os dois andavam juntos apressadamente, sem nenhuma razão para isso. era férias, o dia nascia sonolento, embora soberano. nem sabiam que com os passos marcavam a areia, a praia era plana e enorme, e os agasalhava entre a serra e o mar. desde de horas involuntárias conversavam verdades, e era isso o que mais os impressionava: tudo o que se diziam parecia estar cheio de uma verdade nunca antes assumida, por ninguém, e nunca.
um contava de tempos imemoriáveis, quando o sexo ainda era o vício de roçar, e o outro ria, cada segundo mais amanhecido, se perdendo num caminho já trilhado, embora por outros passos.
divisava a luz que vinha bem devagarzinho sob o mar que batia nas pedras. minúsculos pontos claros, como um cardume de pequenos peixes destemidos, batendo impetuosamente contra as pedras.
o um pegou na mão do outro, sabendo que errava. e o mesmo sorriu, porque já estavam longe demais da casa, e o dia já nascia. o outro sentiu algo dentro dele como pequenos pontos claros que batiam contra um muro de pedra. e algo no ar se desfez.
cada passo dado deixava mais longe a noite, até que todos os seus rastros ficaram com os traços de cinza e de azul, junto à escuridão.
e de repente não podiam mais se dizer bobagens, de repente sentiam novamente aquela incômoda pressão nos peitos, vai ver de descer a serra, ou muito mais ainda do constrangimento de existir um perante o outro. e repensavam, e arrependiam, e antes pensavam, que faziam.
o outro olhou para o mar, e percebeu que algo tinha mudado, quando deixou de ver os pontos esbranquiçados. não teve mais coragem de olhar para o um, de checar nos outros olhos se algo mesmo se perdera, em algum momento entre a escuridão e a claridade.
já não era tempo de conversas, seguiam com a mesma pressa de sempre, e os olhares paralelos. não voltavam para casa, e não voltariam. estavam com pressa, e iam tateando o horizonte, como os adultos que eram, que logo menos tornaram a ser. silenciosamente apressados.

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