terça-feira, setembro 15, 2009

carlos drummond

ele primeiro viu o amor, viu a paixão, a desavença, o orgulho. ele viu o ciúmes, viu o perdão, os lapsos violentos passionais, e cheias de paz tranquilas tardes. ele viu o sexo quase vazio, e o amor da quase morte. viu a ebriedade infantil, e a sobriedade dos bem velhinhos. passeios no mar também viu, e eu vi ele nos acompanhar. estava lá quando dormimos juntas, sem se tocar e nem pensar, exaustas de gostar tanto. ele viu quando eu fiquei vermelha e você morena, quando eu perdi a cabeça e você encontrou (e soube devolver com jeito). ele viu quando você ficou vermelha, do susto de ser tão bonita. viu a púrpura na pele e os rasgões cardíacos, da conduta de baixo calão. viu quase traições e arrependimentos. erros ludibriados em acerto. gostos doces, alguns azedos. cheiros ternos, e outros fortes. ele viu as bocas, os corpos e além.. viu muitas outras coisas, que não ousou compreender.

Um comentário:

aninha disse...

O Amor Bate na Aorta
Carlos Drummond

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que corre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender…