quinta-feira, julho 15, 2010

conhaque

entrou pelas portas que rodavam infinitamente,
empurrado pelo frio e vento cortante
de um lá fora que se cristalizava em passado
conforme ele passava a participar da dinâmica morna e uterina
do bar transformado
pelos cheiros quentes, vozes esparsas e cores sóbrias.

os olhos distraídos por todas e tantas coisas
demoraram a notar algo previamente conhecido.
em repetição as direções que se perdiam em busca do garçom,
e de alguma bebida que preenchesse,
ultrapassou duas mesas como se estivesse diante de uma folha em branco,
e parou no rosto dela,
como quem vê um pássaro vermelho.

ela não olhou para ele.
tudo ao redor, cores, cheiros, homens e cachorros,
eram ainda folhas em branco para ela.

ele quis que o mundo parasse.
quis que o tempo parasse.
para que ele pudesse aprender piano e tocar para ela algo doce.

ele entraria em seus olhos,
e delicadamente a puxaria pelas mãos.
ela sairia do universo cuidadosamente construído nos enleios de sua cabeça,
apoiaria seu copo na mesa,
e dançaria com ele uma valsa antiga.


quando o garçom trouxe o cálice do conhaque tudo voltou a si.
ele olhou para ela
procurando-a dentro e fora de um pensamento.
ela olhou para ele
como se realmente enxergasse
as cores e nomes prometidas em sonho.
eles se olharam
profundo do fundo do olho.

em algum lugar
alguém tocava a valsa deles.

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