quarta-feira, julho 21, 2010

zanzibar

é o último andar do edifício.
lá embaixo a cidade zune,
mantra infindável da pressa.

na sala ampla
luz baixa
e sombras alongadas,
ele está sentado no sofá com um cigarro entre os dentes.
olha com desconfiança o exemplar de um livro recente de um jovem escritor.

faz anos que ele resenha livros para sua coluna,
e a sensação de antecipar frustrações prováveis
lhe é muito familiar.
ele deve devorar as 212 páginas nessa noite,
mas não tem fome.

ele abre ligeiramente contrariado a primeira página
e começa a ler o prefácio,
alcoólico, de um colega de profissão e saco.

na rua um carro passa cantando os pneus,
o som característico da canalhice
sempre à espreita
sempre à espera.

ela aparece como quem vem do nada,
apesar de morarem juntos à 25 anos.
as escuridões sobriamente calculadas
revelam seu rosto aos poucos.
seu cabelo liso e bem escuro,
matriz árabe
de corpo e mistério.

ela se dirige ao som
e coloca um disco da Billy Holiday.
ela dança ligeiramente,
com o corpo quase parado.
olha para ele num convite mudo,
como se eles fossem muito jovens,
como se não estivessem casados a tanto tempo.
como se.

ela convida e ele se levanta.
menos porque o livro certamente seria uma frustração,
muito possivelmente porque às vezes,
contrariando todas as equações dos pessimistas,
a vida imita a si própria
e infla dentro do possível
o simples
e o lindo.


4 comentários:

Anônimo disse...

Leila é o nome dela...

aneths disse...

não queria um nome mais árabe?

Anônimo disse...

Leila é um nome árabe, que significa "nascida durante a noite"
Pelo visto você entende mais do que eu... sua intuição é inacreditável.

Anônimo disse...

infla, dentro do possível, uma mulher chamada Ana, que embebeda o simples de lindo e, como se, a vida vira poesia.
Como é bom ser fã!
beijocas da esquecida