segunda-feira, dezembro 17, 2007

gibraltar

o mundo criado é o mundo mentido quando ainda se é muito jovem.
enquanto por aqui chove quase todos os dias, e as plantas vão vencendo a dureza da pedra com a umidade da vida, penso em um tu que certamente não é outro que o próprio.
quando o vento bate nesses altos muros e ainda se vê o mar, a solidão sibila os caminhos tortos que levam às cidades, e os pássaros negros voam em outras direções. então, és tu que me faz companhia, presença opaca por trás do vapor do chá, pressinto os teus olhos enquanto leio os livros que me trouxeram até aqui.
e no entanto estou aqui e te escrevo. pois diz que não estás. que não és. esse tu inventando quando erámos jovens. diz que há outro lugar, em que os carros passam com fome de esquecimento. e que os mortos são sempre mortos por inteiro.
diz em tuas cartas que sente a mesma falta, mas não vês, a falta como os buracos negros criados por presenças que não podem ser substituídas por coisa alguma, sequer ar. não vê os meus olhos por trás das janelas, à espreita. nem os meus vícios nos personagens dos romances.
não sabe-me, nem sequer pressente. inventa outros ares, e com eles engana minha ausência.

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