quarta-feira, julho 15, 2009

clarice

No começo eu não me importava muito. A vida fácil sem aquelas emoções de rasgar o peito, naquele dia eu era alguém que de bar em bar não criava vínculos, mas olhava fundo nos olhos pois na verdade cheia de desespero. Num dia de lua brava e muita cerveja, ouvia os cantos da minha voz limpidamente amplificada pelas atenções de quem queria escutar. Escondida atrás do violão eu me projetava, cravando os olhos viris, embora frios, no seu rosto que nunca ousei imaginar.
Naquele dia nada entrou em mim, embora no ar um elo tenha sido feito.
Um mês depois a vida sem alegria você voltava. Um pouco pela tristeza nos meus olhos, um pouco pela temperatura da sua pele, o flerte parecia uma boa armadilha para se cair numa noite de verão. Assim nos deixamos levar pelo rio caudaloso e sem medo de tanta bebida. Caímos nas nossas próprias desculpas, e eu lembro de sem direção abrir os olhos e sorrir da alegria mais pura, ainda sem entender o porque.
Você dormiu semi nua e sem os meus braços, a noite passou em outras aventuras, e eu amanheci sentindo pela primeira vez saudades. Como quando meu peito ainda não tinha sido talhado pelo amadurecimento e pelas desilusões, o dia seguinte de sobriedade travou uma disputa entre o corpo debilitado da ressaca e as imagens contínuas de uma bonita noite em que o seu corpo e a nossa luta tinham marcado minha retina.
Os compromissos sem razão feitos em dia de paz prevaleceram no meu interior. Por tempos idos de paixão o seu nome eu não deveria chamar, embora ele não saisse da minha língua. O mundo do lado de cá caia sob meus ombros, sem saber não gostar de quem eu pensava em casar. Havia uma espécie de paz nos meus dentes, paz de amor adquirido, pois eu sabia que aquela noite não morreria sozinha. Passaram meses, um ou dois, nos contatamos em discursos amigáveis e até mesmo sinceros, uma ou duas vezes insistimos no tejo, você se segurando eu me perdendo. Eu tinha o compromisso com quem amara, você tinha um moreno pra se perder em sexo e ternura, nós tínhamos os amigos, e a facilidade da amargura.
Então inventamos um de repente (embora não fosse de repente que ambas as nossas relações estivessem se deteriorando). Uma noite ingênua e sem futuro, como o são todas as noites da semana, uma cerveja ingênua e sem futuro, uma rua perigosa, uma rua próxima. Sinceramente bem intencionadas fomos até minha casa, te emprestei uma camiseta larga, escovamos os dentes, e nos preparamos para dormir. A luz se apagou, e o nosso elo deixado de lado por meses, fermentando na escuridão da censura, se acendeu. Duas horas de receios e calor, para mim aquele dia o nosso elo sangrou, tornando impossível, assim como ainda o é, a vida longe do seu corpo e dos seus olhos morenos. De repente adquirimos uma familiaridade antiga, tornamo-nos em um instante sangrado um par, mais forte que as amizades e que o outro amor poderia suportar. O que ainda acabou por nos aproximar.
Os outros dias não sei mais diferenciar, vem pra mim como um tufão, como um somar ventanoso e crescente do seu cheiro. Sei que aos poucos fui perdendo vergonhas, adquirindo carinhos, vendo nascer manias e jeitos, tateando suavemente e com respeito um amor que vi nascer da espontaneidade.

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