domingo, dezembro 23, 2012
nena
te busco no meio da noite.
ouço distantes os rumores de luas e rios,
e sinto o seu dispersar de tristezas.
nena,
te busco
embora pouco.
meu calor desajeitado.
amorerrante.
nena,
me sinta.
agora é necessário.
deixa a dor vazar por todos os poros,
vire essa coisa
essa imensidão.
e depois me volte vazia.
nena,
conheço de cor sua cara de choro,
e não os outros.
te acalanto e te canto,
nessa madrugada coberta da solidão dos outros,
e da minha.
quinta-feira, dezembro 20, 2012
amor
é assim que te imagino e me dá uma vontade trovadora de cantar-te, de narrar o nosso amor, de gritar possíveis alegrias escondidas.
e o silêncio estarrecedor de ultimamente enfim me cala.
não há clima para tanto. não há.
e o nosso silêncio como formigas que sobem nas costas sem picar.
o nosso silêncio cheio de palavras.
o nosso silêncio
se ver, e se gostar,
mas sem alcançar a morte,
sem chocar os pés entre abismos.
o seu rosto entre os meus dedos,
perdido nas minhas palmas.
doce o seu rosto.
bonito.
ele me olha e me atravessa,
e algo dói como um deus sem piedade.
eu te olho
e ontem via os verdes que imagino ver.
hoje não sei o que vejo.
talvez o vazio do presente.
será que o nosso afeto cresceu-se em apego e se desmanchou no ar.
será dentes de leão.
ou algo.
será algo.
terremotos insuspeitos das plantas dos pés até a altura dos olhos.
um gilete a estilhaçar em pedaços cabelos e peles.
será algo
como uma mão vacilante no meio da noite.
como um beijo que lembra.
recorda de outros beijos.
como chorar.
como tocar sem encontrar,
e por fim algo.
algo como a esperança.
a esperança do amor de continuar amando.
segunda-feira, dezembro 17, 2012
ainda hoje
e sua mão vacilante procura a minha no meio da noite. fraqueza contrastada com a violência daquela frase que explodiu na sua boca.
uma frase para mudar tudo.
tudo para mudar.
ou para nada
ou para outro lugar.
terça-feira, dezembro 04, 2012
besteiras
esses serzinhos ignóbeis e laranjas que teimamos em apertar com as mãos.
sentimos o calor improvável dos seus pelos ensebados e mudos,
sentimos os seus olhos, pedindo, pedindo por mais mesquinharia.
e apertamos o corpinho até os olhos pularem das órbitas.
então sai um líquido quente e culpado
que queima as mãos sem que se possa ver.
é o líquido da idiotice.
quarta-feira, novembro 21, 2012
vinil
e não perceber o suor na nuca,
as palavras embaçadas.
não perceber seu cabelo cheirando a cigarro
bagunçado na cara.
as cidades vão desabrochar
com esse hálito feroz.
os lugares que sua mão vai tocar.
e depois eu vou lembrar.
como um disco que gira infinitamente
sem girar.
terça-feira, novembro 20, 2012
cazuza
coincidentes
o álcool aos poucos corroi os copos de vidro.
isso é o que dizem para acalma-la.
dizem sustentando novas toalhas de linho, úmidas, contra sua testa.
seu pai deve ter uma fábrica de toalhas.
o seu suor parece tingir a pele, mas é mentira.
o cheiro ocre se apruma no ar. esperto. vem direto a mim quando chego, quando a noite chega em mim.
é difícil reconhecer o rosto do prazer nesse parece rosto, nesse rosto que coincide em tantas coisas, menos no aspecto, menos na cor, menos no que provoca em mim. esse novo rosto coincidente usa minha mão para novas coisas. ela se esquece nesse momento do calor guardado em movimento. do espalhar do calor. minha mão, nesse momento, transformada, minha coincidente mão, sustenta toalhas úmidas no colo da sua face.
as suas coincidentes pernas apoiadas nas suas coxas. o meu desejo coincidente escapa entre os dedos. escapa em suor. escapa em loucura.
ao ver suas coincidentes coxas abertadas uma contra a outra.
domingo, outubro 28, 2012
tudo
terça-feira, outubro 16, 2012
behring
Te sinto como um estreito,
magnitude mineral a incendiar os olhos caso o pescoço insista em bascular para cima.
Ri de mim.
O vento desgasta a pedra, a leva em areia, ínfima.
O mar entra mar, sai mar, mas lá,
nem rio.
É um delicioso diminuir-se,
sentir as costelas cedendo
à pressão deliciosa das coxas.
Como duas pedras que prendem entre as pernas a imensidão do mar.
segunda-feira, outubro 08, 2012
matemática patética
ahora
poseidon
Sempre tive um pouco de medo do mar. Justo. Antigo e enorme. O mar é como se a mitologia existisse. E não dá para ver o que há no fundo. Se as mãos enormes de Iemanjá, seus cabelos verdes de tanto mar. Tampinhas de cerveja, cacos de vidro, restos de animais.
Às vezes sinto que ele vem me buscar, com sua mão imensa. Melhor - me recolher.
E obedeço um pouco muda. Me embriago, embrenho, me implico. Me misturo profundamente a essas partes de água e sódio. Mistifico a água. Ela me aguarda, me carrega para o mesmo lugar.
terça-feira, setembro 11, 2012
Coleridge
As flores duram pouco.
As ideias também.
As ideias falam de coisas eternas.
As flores também.
sexta-feira, setembro 07, 2012
valete
sinto as oscilações como a mão pode sentir a resposta discreta da pele, o suor, o espasmo. E deixo de sentir como muitas vezes o fiz, mal entendendo a umidade.
tange-me nos lugares que a certeza não toca. a planta do pé. a clavícula tensa. os ombros tesos. todos aguardam algo. uma resposta quiçá, um movimento da lua, um toque aguardente.
de repente tudo se desmonta num sopro banal, e vejo entre os pés tristes cartas que já não significam nada.
podem se montar de novo. podem se ligar em significados intensos, construir castelos. mas a possibilidade inexata de que possam novamente se quedar em sopro me dá a súbita vontade de testar outros jogos. temo pelo efêmero estardalhar das cartas. pelo ruir sincero daquilo que se constrói as pressas, e com pouco cuidado.
quarta-feira, setembro 05, 2012
sobre paredes e flores
fazia tempo que eu não tinha casa.
ter esse gosto na boca dá vontade de:
ouvir o rumor distante de alguma avenida que não sei como é um mar que estronda qualquer espécie de paz.
pássaros notívagos cantando nas horas erradas.
me apegar as feiuras graciosas das coisas que se tem (ou te tem).
do sabor bem forte, real, do tomate escorrendo na boca, nas manchas que serão feitas, invariavelmente.
tudo vai se sujar e se limpar de novo enquanto comemos, enquanto vivemos, e o tempo passa com graça, e espero não cair nesse conto, e ter o gosto forte, e a certeza, das coisas que são minhas e podem ser divididas, como a alegria, o sexo, o manjericão.
(as ervas daninhas e outras ervas. senti nessa manhã o aroma abstrato dessas flores.)
segunda-feira, setembro 03, 2012
(vendo janela da alma)
quarta-feira, agosto 29, 2012
sangria
fui embora e o sangue escorreu por esse caminho criado por nós. sua mão ainda estava lá. disse adeus atenta. o vazio agora é carne limpa, latente. pronta para ser carne novamente.
sexta-feira, agosto 24, 2012
liberdade
a solidão grita delícias. os onibus passam e é bom não ir para lugar algum. é bom ser aquele que olha. que deixa que tudo passe diante dos olhos. há algo de subversivo e necessário para a ordem de todas as coisas.
quinta-feira, agosto 23, 2012
como quem salta no ar como água
corre melhor ir para onde saberá o dia escancarado sobre meus dedos que percorrem as vértebras indecisas da praia estirada, da vida discreta e no entanto, tão explicita no seu silêncio. fuma por que o ar denso inspira. bebe por que baco põe a mão pesada na cabeça em prece. vive por que ele canta e tudo continua dançando. continua embriagada desse silêncio que eu vou junto.
terça-feira, agosto 21, 2012
lago
quinta-feira, agosto 16, 2012
menti pra você
quinta-feira, agosto 02, 2012
bali hai
a gente ficava tonto na luz baixa. eu não me lembro como você ia embora. eu não lembro aonde era minha cama. eu só lembro da luz. da janela aberta. de nós dois tontos. vivendo numa velocidade altíssima, e lenta. vagarosos momentos.
segunda-feira, julho 30, 2012
sexta-feira, julho 27, 2012
tempo
todos os dias. espera. deixa o tempo em seu verbo - passar. olha o olho escuro e pálido que te encara da ponta da mesa. olha no fundo dessas olheiras cada vez mais densas. uma hora esse olho negro vai te olhar e você vai sentir algo. vai abrir os botões da blusa e com as mãos sem hesitar tirar o peixe vivo que brota de dentro das costelas.
olha para o olho mais uma vez.
ele ainda te resguarda. olha e tenta entender: a ternura insuspeita de um olho que ri.
terça-feira, julho 24, 2012
obatalá
em cima das suas certezas.
e aquele laço luminoso e quente de todos os sentidos atribuídos
se desfazem sem esforço.
então ban.
e dá até raiva.
uma tristeza descansa calma
nem sei onde.
e de repente me vejo novamente
tentando atribuir sentidos.
pensando nos caminhos.
que eles talvez sejam maiores que só o que me toca as mãos.
e que daí talvez dê para compreender
uma loucura assim.
mas não dá para compreender nada.
prefiro me apegar a falta de sentido de todas as coisas
que me deixa ter raiva dessa e outras tragédias.
segunda-feira, julho 23, 2012
agora
agora é inverno. não tem o calor modorrento das tardes que tanto fizeram que secaram a água. agora é inverno e o sol toca sem queimar. acarinha leve sua pele. agora é inverno e tudo bem não lembrar da chuva e do sol. agora é inverno e você pode sentar aqui do meu lado e ficar nesse sol morno. fica. descobre o toque delicado desse calor inverso. a luz bonita descendo pela poeira. ouve o mar. ele tá rugindo. agora, e para você. não existe nada além de agora. e agora estamos nesse sol manso. e agora o mar bate. e agora nos olhamos. e agora não precisamos entender. e agora basta estar aqui, e agora.
sexta-feira, julho 20, 2012
braz
domingo, julho 08, 2012
lá
e Agora. eu vejo o chao, mártir unico da nossa relacao. eu nao consigo enxergar mais nenhuma marca. o fogo comeu tudo. levou embora toda aquela água insalubre. Agora eu estou de pé aqui. E duvido. Duvido com os pés juntos de que qualquer daquelas coisas aconteceram nesse espaço imaginário em cima desse chao. Eu duvido. Nada no mundo secunda essa hipótese. E a memória, afinal, difere muito pouco da imagincao.
sábado, julho 07, 2012
bresson
as vezes as sombras
as curvas, as pessoas.
as vezes tudo parece já ser.
o sol as vezes se encaixa
entre a árvore ali e a outra
sobre o boné do velho que já passa.
as vezes a beleza súbita
configurada num instante
para quase ninguém ver.
sexta-feira, julho 06, 2012
terceira margem do rio
sente-se em todos os lugares.
ao mesmo tempo em todos os tempos.
ali
embrenhados cúmplices,
voando no meio do turbilhao,
tudo acontece sem fato.
ali,
todo momento morde,
tudo volta,
o amor rechaça os elementos duros da parede,
perdura,
na madeira, no veludo,
e na pele macia.
nao sei por que ali,
tudo.
mas nos seguramos com os olhos atentos e as maos próximas
encarinhando o instante completo.
domingo, julho 01, 2012
todas as coisas
vejo o rastro formado
areia ou neve
nao menosprezo.
abro a boca larga
os dedos se abrem em pleno voo
braços abertos surpreendidos.
tiro uma mordida da lua
sinto o gosto de todas as coisas.
o tempo mais presente é todos os tempos.
o lugar mais universal é aqui,
se esquecendo de mim.
tanto
a retina chama outras imagens por cima das que já tem.
hoje tantos lugares
transparentes em cima dos que eu estava.
o deserto caminhando nas pedras secas do vale. as luzes amarelas chamando carnavais de prédios bem antigos. praças, vistas, sensaçoes teimosas agarradas nos cabelos da nuca.
hoje tanto.
e a noite queda-me uma sensaçao de nao estar em lugar algum. a chuva fina rala meus passos na calçada constante. caminho em algum sempre. chego. e entao envelheci. nao me lembro mais por que caminhava. o tempo presente nao se recorda de nada. as costelas estao cansadas, os pés se tocam com frio. a noite é absoluta. senhora. encobre-me e diz que é tarde. que durma. poe as maos grossas em cima dos meus cabelos e diz que ainda é cedo, que esqueça. a noite passa, brinca no meu colo. me lembro de um tempo ontem, de um tempo talvez amanha. ele se torna agora, e durmo mais tranquila. alegria agasalhando a velhice que por ventura apareça.
sexta-feira, junho 29, 2012
guantanamera
delicada e austera, nas cordas sujas e familiares.
gosto do som azul do lá,
do vermelho sol
da escala amarela fá fá sustenido.
o meu violao se adequa na minha barriga, nos meus peitos, nos meus braços,
e as vezes no meu queixo,
apoiado estranho pensando, ou as vezes nem pensando.
converso com ele, nunca percebi.
tímido, moreno lindo.
esquentando o ar a volta.
eu nao tive porquinho da india nao,
tive violao.
domingo, junho 24, 2012
saco cheio
sexta-feira, junho 22, 2012
francisca
quinta-feira, junho 21, 2012
metá
insistente em minhas coxas.
o beijo aflito
escuro.
a mordida sussurrada
entre tantos sons alcólicos.
algo ultrapassa a cordilheira das coisas vivas,
ou o gemido, ou movimento.
Ou ainda nada disso.
é o prazer.
água de dentro
chamando maré
por seus dedos como lua.
quarta-feira, junho 13, 2012
pasmo
ancanã
terça-feira, junho 12, 2012
humor
quinta-feira, junho 07, 2012
kotama bouabane
quarta-feira, junho 06, 2012
haikai
você estende as mãos vazias de flores,
e eu vejo as cores.
terça-feira, junho 05, 2012
escorpião
garanta.
lambe o suor dos meus dedos,
demore.
dê mordidas nas costelas,
provoque
a carne súbita do tejo,
escorrendo desamparado
por entre as nossas pernas.
sábado, junho 02, 2012
minas
em algum lugar
quarta-feira, maio 30, 2012
desabafo generalizado sem literatura
domingo, maio 27, 2012
martelo
domingo, maio 20, 2012
gin
no lugar exato onde se sente
entre a nuca, pescoço, ombros,
no ouvido sussurrar silêncios.
quinta-feira, maio 17, 2012
asco
eu tenho nojo delas comendo,
com ânsia,
os olhos esbugalhados,
as narinas infladas.
nojo dos sons guturais.
nojo do animal sincero e grotesco que vive dentro delas.
acho vulgar,
tenho vontade de gritar.
eu tenho nojo do jeito que elas não conseguem não respirar forte
denunciando a besta que são.
quarta-feira, maio 16, 2012
tzu
por um senso estético do convívio social que eu deslizava pelas palavras.
esse animal peludo e úmido, escorrendo pela minha garganta, se confundindo entre os meus dedos,
se escondendo nos cabelos finos da nuca.
eu não queria fazer isso. mas eu precisei. para fazer eles felizes.
eu lembro como você se encaixou suave no osso difícil da omoplata quando não soube que mais uma vez eu havia corroído nossas bordas.
foi para tentar te alcançar nessa simplicidade que eu me inventei castanha, com olhos de jabuticaba.
o bicho me encarinhava com seus calos plásticos.
passava as falanges nos meus lábios quando era para silenciar,
soprava indecências constantes nos meus ouvidos.
eu passei a levá-lo para todos os lados.
escondido nas cavernas do meu corpo e do meu pensamento.
agora que o afasto com os dedos você há de entender e perdoar,
a ternura castanha, peluda e úmida
de toda mentira.
segunda-feira, maio 14, 2012
re
porque todo dia eu acordava.
Disse bom dia,
e mais nada.
nunca fui eu mesma.
Fui dormir,
esqueci a dor acesa.
domingo, maio 13, 2012
alcatéia
a fome carnívora,
cravando os dentes
nas réstias de madeira.
no meio do olho do lobo que sou
vivo.
adorando presas
que não prendem.
domingo, maio 06, 2012
areia
leopardo
terça-feira, maio 01, 2012
fogueira das vaidades
segunda-feira, abril 30, 2012
A
o que o estômago não pode mais suportar.
a mão contínua em cima da toalha cor de ocre.
o vinho se move abrupto dentro da taça
e os olhos riem em uma órbita impassível.
os olhos sabem da mentira,
e principalmente do desespero,
da mão
que não consegue ficar no lugar.
ao primeiro gole
a garganta desagradece
e o estômago recorda antigas mágoas.
as mãos se movem
deslimitadas
tingindo os dentes de púrpura
e a barriga de fome e sica.
os olhos já nem ligam
riem
riem envaidecidos
e ministram infinitas promessas.
trêmula,
a mão alcança o colo,
tenta o descanso,
descaso.
os olhos temem a fraude.
tentam te examinar
enquanto você também me olha.
os olhos
tentam substituir com brilho,
com o movimentar incessante das mãos
e das palavras,
a ausência sólida e abrupta
do olho,
e de outras taças.
sábado, abril 28, 2012
casa 12
quarta-feira, abril 25, 2012
domingo, abril 22, 2012
bobagem
e eu querendo rir,
rir imenso.
abrir um vinho que há de restar
na boa vontade
de fazer coisas outras.
vento
Sempre assim. Eu fingia que era essa outra pessoa que na verdade sou. Andava olhando fundo nos seus olhos, e mudava repentinamente de direção. Você era uma menina. Ou era assim que eu te imaginava. Para conseguir ser a mulher, ou o homem, que tudo entenderia. Você era pequena, e talvez achasse cachaça da minha loucura. Eu nunca realmente achei que era louca, embora, depois, quando você se tornou uma mulher, tenha me dito tantas vezes, insistentemente.
Talvez você tenha achado isso por ser a menina que eu sempre suspeitei em você.
Ou Talvez eu seja a louca que você sempre imaginou de mim.
De longe bate o vento, te vejo entre dedos, longe longe,
tudo mudou,
eu a menina, você a louca.
terça-feira, abril 17, 2012
netuno
noite
segunda-feira, abril 16, 2012
'
a mando,
mando,
uma resposta,
uma pergunta,
uma viagem,
de raspão.
no chão,
que arde e coça,
não pergunte,
só me ame,
amor,
não reclame,
deixa eu deixo,
passar a mão.
sábado, abril 14, 2012
maça
cachoeira
sexta-feira, abril 13, 2012
pintassilgo
sexta-feira, abril 06, 2012
estação consolação
terça-feira, março 27, 2012
para uma querida amiga
quarta-feira, março 21, 2012
domingo, março 11, 2012
Holga
segunda-feira, março 05, 2012
velvet
quarta-feira, fevereiro 29, 2012
Melina
O pé tocava o chão liso, extremamente liso, num compasso desnorteado pelo cabide de levar soro, a ser carregado como um amigo desconfortável, uma péssima lembrança. As portas se repetiam em cores ritmadas, trincos abertos, intimidades escancaradas. Eu vi a gorda de verde comendo a bolachinha doce que dão aos doentes. Eu vi a fisioterapeuta utilizando a alegria como murodesilusão. E os seus passos, se confundindo com o chão verde esmeralda liso e fácil de limpar.
Você andava para algum lugar que infundisse a coragem nos seus orgãos.
O número da sua porta era 510. Apenas mais um número, azul, largo, vasto, destrancado. E era preciso caminhar, com as meias apertadas até acima dos joelhos, o soro encoleirado, a certeza de ir para nenhum lugar.
No fim do corredor havia um vitral. Os pedaços de vidro tentavam restituir duas mãos unidas em prece, os amarelos escuros ou mais claros ocultando a cidade muito mais cínica por trás. As unhas da mão cristã pareciam roídas.
Acho que você não reparou nas unhas. Estava preocupado em continuar. Infinitamente. A medida que caminhávamos nesse passo hesitante os enfermeiros e suas mesas móveis abriam caminho, e se eu soltasse frases como se for desmaiar avisa, sorriam, comovidos com a ternura difícil dos hospitais.
Quando chegamos novamente ao fim do corredor, você, corajoso como o homem que lembrava ser fora daqueles corredores circulares, decidiu trespassar a porta grande e mais larga. Como se fosse possível crer que não iria desmaiar, necessitando da ajuda do(s) enfermeiro(s) mais próximos para não abrir os pontos recém feitos.
Domínio repleto, você atravessou as portas com segurança, apesar do vacilante balanço das puídas rodinhas do cabideiro de soro.
Embora as portas fossem azuis, os quartos nus entrevistos eram diferentes. As camas eram menores. O ar parecia um pouco menos rarefeito. E ninguém passava no corredor. Andávamos juntos, lentos, embebidos naquele novo ar branco e puro. Andamos até o final, e voltamos pelo mesmo caminho.
Algumas portas tinham fechaduras diferentes, similares desigualdades, miragens dentro de um mesmo labirinto. E então, algo realmente diferente enquanto você reclamava da pulsão no braço. O quadro. Moldura tridimensional pendurada numa porta azul, quase igual. Era um quadro com objetos em miniaturas, como um quarto, como quadro do quarto do Van Gogh. Viam-se livros ordenados numa estante, brinquedos sob um baú, uma cama, bonita, pequena, feita de madeira. Em cima de uma cadeira de palhinha havia uma boneca meio caída, e no meio do quarto de miniatura, fantasticamente flutuando, um nome - Melina.
Minha mão sofreu do espasmo súbito da curiosidade. Contive-a antes do constrangimento e do erro. Minha mão não abriria aquela porta, muito embora ela certamente estivesse destrancada. O medo a trancava. Comia por dentro a hipótese de que Melina só tivesse aquela pequena miniatura como recordação de como é ter quarto quente, seu. Esse era o ar adstringente.
Pior, muito pior, era imaginar que ela estivesse lá há tempo suficiente para ter um quarto pessoal e íntimo, um quarto com seus afetos infantis. Um quarto, por exemplo, com um quadro emoldurado em miniatura em que seu nome flutuasse, flutuasse sobre todas as coisas.
sexta-feira, fevereiro 24, 2012
luvas
quinta-feira, fevereiro 09, 2012
golpe de vento
quarta-feira, fevereiro 08, 2012
bicho
segunda-feira, fevereiro 06, 2012
domingo
domingo, janeiro 29, 2012
marilene
Hesíodo - A teogonia
Se a espuma do mar é a porra de um velho (deus sim, mas velho) o que serão as perólas? Será o ponto exato, o epicentro do prazer radial, o cintilante Carnaval? Da ostra não comem-se as sólidas bordas e a pérola.
O grego, antes de tudo um homem, antes de tudo um bruto, escolheu a espuma do mar como hoje se escolhem os filmes. A espuma do mar úmida Marilyn Monroe, criada da porra de um deus decadente, obsessivo, tarado. Filha transversa do Céu que não parava um minuto de comer a Terra. Urano Zé Celso, com um pouco menos de caráter.
Quando Marilene me chama para jantar, vejo profunda sua melancolia, girando lentamente na taça de Negrone. Quando me ofereço para amparar suas coxas com a destreza de um garçon, ela lança seu sorriso piedoso e neutraliza-me com seus lábios de madre-pérola. A ostra me imobiliza. Eu e minhas maneiras parasitas. Nada prospera na deliciosa contenção da ostra. E quando, bandeirante aguardente, enfim arrisco sua casca, muitas vezes perco-me no devaneio da pérola, esquecendo a carne mole e translúcida. Eu gosto das pérolas, por que elas trazem cores aos olhos. Entre as tetas formidáveis de Marilene as preteri.
Se a pérola é a corda luminosa lançada para nos afogar no encanto incautelável da luxuria, a carne rude da ostra é cruamente a coisa em si. Ofuscada pela pérola, toda ostra espera ser comida com pouco ou muito limão.